CONTRA A CICLOTIMIA
SANTO APRÍGIO PDF [Página 11 do PDF, no boletim original encontra-se na
página 201]
Na cidade de Beja (2002 AD), entre lembranças do misterioso bispo Aprígio (Santo Aprígio), comentador do Apocalipse, do temível Almançor (morto em 1002) e do Lidador Gonçalo Mendes da Maia, fala-se da nossa ciclotimia, a propósito de passarmos da euforia de 1998 à depressão: «Quantas vezes não nos deitamos convictos de que já somos uma província de Espanha e não acordamos na manhã seguinte, proclamando a nossa unicidade face a todas as outras nações da Europa ou mesmo contra elas. Para, no dia seguinte, de novo os sentimentos mudarem com a madrugação ou com a nouta. Portugueses persistentemente pessimistas ou portugueses persistentemente optimistas são espécies raras, sobretudo a segunda». Usando a plasticidade das palavras e das ideias, JBC diz bem da nossa enfermidade – e tempera-a com o fel de Fialho de Almeida e da sua gataria - «miando pouco, arranhando sempre e não temendo nunca»… Bem diferente, em Angra do Heroísmo (2003), lugar de resistência (de D. António e D. Pedro) sentimos o talento fantástico de Vitorino Nemésio a invocar o Espírito Santo (da fraternidade universalista do Portugal paradigmático): «Pomba Te vejo a vulto, / Cego do feixe ledo, / Almo Espírito oculto, / Lúcido ao dia cedo». Mas também lemos em «O Indesejado» (1945), de Jorge de Sena, o melhor hino à liberdade heróica: «porque ser livre é mais que liberdade, / porque é impossível que o não venha a ser». Mas é de Bragança (2004) que ouvimos o brado de um émulo do Velho e de Camões – o Abade de Baçal a invectivar-nos. «Por Deus! Cessemos de dar, perante o estrangeiro, o triste espectáculo de um povo que é incapaz de construir o seu futuro e não aprecia as tradições do seu passado». De novo, a memória, ligada ao labor. E em tempos de crise (quais não são?) é bom ir à cultura como criação, constante destas palavras. Daí lembrar tantas vezes os cães do Nilo de Sá de Miranda: «que correm e vão bebendo», já que «precisamos de correr, mas precisamos por igual de não esquecer as fontes e a água que delas brota». E é na terra do sal, a cidade do injustiçado Bocage, Setúbal (2007) que o Padre António Vieira é lembrado por causa do sal da terra, aqui onde «em muitas partes toma o navio porto à porta do seu dono». Cidade «que tem mais para contar e da qual menos se conta»…
Guilherme d'Oliveira Martins
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