Quarta à noite, a SIC Notícias teve uma emissão em cheio. Primeiro foi Soares dos Santos a lamentar que "os políticos não possam sair à rua sem ser insultados". O dono do Pingo Doce, que em fevereiro de 2011 chamou mentiroso ao então primeiro-ministro, acusando-o de "gostar de truques", está preocupadíssimo com a falta de respeito do povo pelos governantes e com o facto de a coisa pública tender a afugentar as pessoas pela forma como antecipam vir a ser (des)tratadas. Pelos vistos não lhe ocorre que o baixar do nível quando vem é para todos.
Mas isto foi só o amuse-bouche. A seguir veio o prato principal: Gomes Ferreira a entrevistar o ex-secretário de Estado Paulo Campos sobre as PPP. No final do programa, entendeu perguntar: 1. Tem contas offshore? 2. Fez investimentos? 3. Não espera vir
a ter outra fonte de rendimento que não o seu trabalho? Perante as negativas sucessivas de Campos, que chegou à indignidade de revelar que para prover à educação dos filhos está, apesar de auferir o salário de deputado, a pedir "mensalmente" ajuda aos pais, Gomes Ferreira, invocando o que estaria na mente dos espectadores, perguntou ainda: "Mas quem teve funções tão importantes e esteve numa pasta tão importante, como é possível que seja assim?"
Ficámos pois a saber que no douto entender do entrevistador os espectadores, ou seja, toda a gente, acham que seja quem for que tenha "funções importantes" é suspeito de encher à pala disso contas bancárias, de preferência offshore, e deve pois sujeitar-se a interrogatórios policiais na TV. Assim, explicou Gomes Ferreira - que a dada altura admitiu (!) "poder estar a exagerar" -, o exigem "a curiosidade e o interesse público", para si uma e a mesma coisa.
Como jornalista, acho que se devem fazer perguntas incómodas sempre que necessário. Mas não me passaria pela cabeça questionar Gomes Ferreira, dadas as suas importantes funções de editor e comentador de economia num canal nacional, sobre se foi já alvo de "favorecimentos", se tem rendimentos "que não do seu trabalho" ou está em condições de garantir que não virá a trabalhar para uma entidade que possa ter beneficiado por via delas. Ou se estaria à vontade caso as suas conversas telefónicas fossem escutadas - como perguntou a Campos.
Inquirições destas só se podem fazer quando se possuem elementos que permitem acusar, os quais é obrigatório apresentar - até para permitir a defesa. Fazer insinuações caluniosas não é trabalho jornalístico, é nojo. Deplorável também que Paulo Campos as tenha admitido.
Mas, como o PS - o partido de Campos - demonstrou ontem, Gomes Ferreira é só um sintoma particularmente agudo da doença. Ao exigir saber quanto o Executivo gasta em telefones, deslocações e mais não sei o quê, o partido de Seguro mostra estar disponível para se juntar aos que gritam "gatunos". Talvez alguém devesse tentar explicar-lhe que a tocha que traz na mão é também para a sua pira - e, o que é muito mais imperdoável, para a da democracia.
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