domingo, setembro 25, 2022
Jacob luta com um Varão
Texto do Rabino Ari Kahn
Enquanto Yaakov (Jacob) está a preparar-se para o seu confronto épico com o seu irmão separado Essav (Esaú), ele tem um confronto bizarro com alguém totalmente inesperado:
E Jacob ficou só, e lutou um homem com ele até levantar-se a aurora. E viu o varão que não podia com ele, e tocou-lhe na juntura da sua coxa, e desconjuntou-se a juntura da coxa de Jacob na sua luta com ele. E disse: Deixa-me ir, porque vem rompendo a aurora! – e disse: Não te deixarei ir, salvo se me abençoares! E disse-lhe: Qual é o teu nome? – e disse: Jacob. E disse: Não, Jacob não será mais o teu nome, e sim Israel, pois lutaste com o anjo de Deus e com homens e prevaleceste. E Jacob perguntou e disse: Dize-me, rogo, o teu nome – e ele respondeu: Porque é que perguntas o meu nome? – e ali o abençoou. E Jacob chamou o nome do lugar de Peniel (‘Face de Deus’) porque vi o anjo de Deus face a face, e a minha alma foi salva. E o sol já nascia quando passou de Penuel, e ele mancava da sua coxa. [Bereshit/Génesis 32: 25-32]
O texto parece deliberadamente enigmático e contraditório:
Diz-se que Yaakov está sozinho, mas se isto é verdade, como pode um homem lutar com ele?
O varão viu que não podia derrotá-lo, ele então tocou a articulação da sua coxa. Quem é “ele”, melhor, quem é realmente “ele”? Este versículo não pode ser entendido por conta própria. Apenas ao ler o versículo seguinte podemos reconstruir o significado e preencher as identidades (como fiz acima). Porque é que existe tanta confusão? Qual é a identidade do adversário de Jacob?
O varão perguntou: “Qual é o teu nome?” Ele disse: ‘Jacob’. O adversário nem sabe com quem está a lutar?!
Ele disse: ‘Jacob não será mais o teu nome, e sim Israel, pois lutaste com o anjo de Deus e com homens e prevaleceste.‘ O adversário que há alguns segundos disse que não conhece a identidade do seu inimigo, declara que Jacob foi vitorioso na sua luta com Deus e com o homem!
Jacob perguntou, e disse: ‘Por favor, diz-me o teu nome.’ Porque é que Jacob quer saber a identidade desta pessoa?
Examinemos cuidadosamente esta passagem e vejamos como podemos descodificar o seu conteúdo misterioso e enigmático:
Jacob permaneceu sozinho, e um homem lutou com ele até ao amanhecer.
O nosso problema é que se Jacob está realmente sozinho, quem então pode estar a lutar com ele? Uma resposta possível é – ninguém! Jacob está realmente a lutar consigo mesmo. Isto explicaria a ambiguidade na passagem. No entanto, resolvendo o problema textual (se de fato estamos corretos), levantamos um problema ainda maior: porque razão um homem sadio lutava consigo mesmo? Uma leitura cuidadosa do texto pode dar-nos alguma introspecção.
O “homem” é referido em hebraico como um ish. E encontramos outro versículo – muito menos enigmático – no qual é evidente que o ish é claramente Jacob:
O homem prosperou muitíssimo e possuía grandes manadas, servas, camelos e jumentos. [Bereshit/Génesis 30:43]
O contexto é fascinante: Jacob finalmente prosperou financeiramente. As bênçãos significavam para Esaú, que ele havia tomado, se concretizaram. Jacob “fez isto”. Ele completou uma metamorfose de ser um homem da tenda – um estudante de uma yeshiva – para tornar-se um empreendedor de sucesso. No entanto, Jacob luta com o seu sucesso. Uma coisa era levar as bênçãos destinadas a Essav. Outra bem diferente é viver com os resultados destas bênçãos. Enquanto Jacob prepara-se para encontrar o seu irmão, ele olha para toda a riqueza que ele acumulou e está preocupado. Ele separa tudo o que possui e tudo o que ama em diferentes campos, e ele é deixado sozinho.
Anteriormente, o texto descrevia Jacob sozinho quando ele estava fugindo de Esaú, e ele passou uma noite incrível sob as estrelas e viu a visão da sua vida – a escada para o Céu. Naquela época, ele nem sequer tinha um lugar para descansar a cabeça e dormia sobre pedras. Agora, Jacob retorna com riquezas.
Mas agora ele também deve fazer a pergunta: Quem sou eu? Jacob, o homem das tendas, ou Esaú, o homem dos campos? Enquanto Jacob cruza o rio e vê o seu reflexo, ele questiona a sua identidade. Tinha começado a parecer-se com Essav? Será que o cumprimento das bênçãos roubadas realmente o transformou em Essav?
Parece que Esaú também pensava assim. Quando Esaú foi "mencionado", quero dizer, ele aludiu a si próprio, já que pensava consigo mesmo, logo jurou matar Jacob. E quando se encontram, Esaú está claramente preparado para a guerra:
E Jacob levantou os seus olhos e olhou, e eis que Esaú vinha, e com ele havia 400 homens; e repartiu as crianças entre Lea e Raquel e entre as duas servas.. [Bereshit/Génesis 33: 1]
Quando ele vê a abundância do acampamento de Jacob, Esaú muda a cara. A sua raiva aparentemente dissipa-se. Ao invés de guerrear, ele pede a Jacob que viaje com ele – uma resposta bastante inesperada para alguém que queria se vingar. A ira de Esaú deveria ter sido exacerbada pela visão da grande riqueza de Jacob. Afinal, esta bênção de riqueza era justamente a sua. O que provocou a repentina mudança de coração de Esaú?
Esaú deve ter visto algo em Jacob que nunca tinha visto antes. Esaú viu o “novo” Jacob, um homem rico, um homem que aparentemente abandonara as suas atividades espirituais em favor das suas posses materiais. Na mente de Esaú, Jacob tornou-se Esaú, e, no que dizia respeito a Esaú, não havia mais motivo para odiar o seu irmão. As barreiras que os haviam dividido tinham desaparecido. Eles poderiam agora juntar forças. Esaú pensou ter alcançado uma vitória ideológica, que era bem mais doce do que qualquer vingança que pudesse exigir.
Esta foi precisamente a causa da luta interior de Jacob. Ele também viu em si mesmo o que Esaú viu.
… um homem lutou com ele até ao amanhecer. Ele [o homem] viu que não podia derrotá-lo …
Durante toda a noite, Jacob luta com o seu sucesso. O seu eu-espiritual e o seu eu-físico colidem enquanto tenta determinar a sua identidade verdadeira. Mas Jacob é incapaz de resolver este conflito.
… ele tocou a articulação da sua coxa. O quadril de Jacob deslocou-se ao lutar com ele.
…E ele estava mancando por causa da sua coxa. Portanto, os filhos de Israel não comem o tendão do quadril até ao dia de hoje, pois a articulação da coxa de Jacob estava aflita no tendão do quadril.
Na resolução que finalmente se consegue, o reino físico é forçado a ceder. Leis, como a do tendão do quadril, Gid HaNashe, irá criar limites espirituais dentro da experiência física, tornando possível a elevação do mundo físico para um plano espiritual.
Esta é a resolução de Jacob. Jacob pode parecer Esaú, e, na verdade, ele não é mais o mesmo Jacob. O próprio nome de Jacob– que conota um relacionamento com Esaú – será agora substituído pelo nome de Israel, que fala da sua relação com os reinos físicos e espirituais.
Agora podemos entender por que os Sábios quase uniformemente identificam o homem com quem Jacob lutou como o “anjo de Esaú”. Apesar da complexidade da passagem, os Midrashim e comentários tratam-na como se o significado fosse óbvio, e são relativamente unificados quanto à identidade do assaltante.
Quando os Sábios dizem que o adversário de Jacob era o anjo de Esaú, eles referem-se ao poder de Esaú dentro de si mesmo com o qual Jacob estava a lutar, este poder que Jacob teme e que tomou a sua autoridade sobre a sua vida.
Na verdade, quando Esaú faz o convite para viajar juntos, Jacob diz:
“Meu senhor sabe que as crianças são tenras, e se as ovelhas e as vacas que têm cria se fatigarem um só dia, morrerá todo o rebanho. [Bereshit/Génesis 33: 12-13]
A razão de Jacob é que as suas posses são um fardo que o retarda, assim como a sua lesão na perna também o retarda de outra maneira. A recompensa física com a qual ele foi abençoado é pesada para Jacob – é um fardo que o impede de alcançar o seu verdadeiro passo, de realizar o seu potencial espiritual.
E Esaú voltou naquele dia ao seu caminho, para Seir. 17 E Jacob partiu para Sucot, e edificou para ele uma casa, e para o seu gado fez cabanas; por isto chamou o nome do lugar de Sucot (Cabanas). [Génesis 33: 16-17]
A conclusão do confronto entre Jacob e Esaú leva-os em duas direções diferentes. Esaú retorna para casa, enquanto Jacob viaja para Sucot. O destino de Jacob é chamado Succot por causa das tendas que ele fez para os seus animais. É interessante que neste lugar Jacob também construiu uma casa, presumivelmente para a sua família. Então porque ele preferiria nomear o lugar para os estandes que feitos especialmente para os animais?
A associação evocada por estes estandes é, naturalmente, o Festival de Sucot. Os judeus são obrigados a deixar o conforto das suas casas e viver num estande temporário, para lembrar-nos que o mundo físico é temporário. Isto também é o que está a passar pela mente de Jacob.
Jacob reconhece que a recompensa física com a qual ele foi abençoado é transitória. É apenas um meio para um fim. Depois de conhecer a Esaú e chegar a um acordo com a sua existência material, ele nomeia a sua primeira parada em Sukkot ou Sucot (Festa das Cabanas) para enfatizar esta mensagem.
Se encontramos Jacob a dirigir-se para Sucot, qual é o seu ponto de partida? De onde ele vem? Por mais estranho que possa parecer, um judeu vai a Sucot imediatamente depois de Yom Kippur.
Ao tentar explicar o conceito do bode expiatório de Yom Kipur, Ramban (Nachmanides) puxa tudo para nós. Ele explica que, ao oferecer este sacrifício peculiar em Yom Kippur, os judeus dariam um suborno a “Samma'el (será Satanás?!)”, a fim de apaziguá-lo e facilitar o seu testemunho diante do tribunal celestial em seu favor. [Comentário a Vayikra, baseado em Pirki D`Rebbi Eliezer, Ch. 45] Quem é este “Samma'el?” Ninguém além do anjo de Esaú, com quem Jacob lutou. [Midrah Tanhuma Vayishlach, 8).
Podemos traçar o surgimento de um tema aqui. No Yom Kippur, todo o judeu deve lutar com quem ele é ou quem ele se tornou. A Tôrah ordena no Yom Kipur oferecer um bode expiatório, para corrigir o “que é de direito”. Este processo permite ao homem manter o seu aspecto físico em perspectiva. Quando Jacob encontrou-se com Esaú, ele também deu presentes. Estes dons vieram como herança e como o protótipo para o sacrifício anual em Yom Kipur, que é oferecido ao poder de Esaú no mundo.
O Zohar, aparentemente consciente desta conexão, escreve que o confronto entre Jacob e Esaú foi resolvido na hora de Neila, quando a oração final de Yom Kipur é dita. [Zohar VaYikra, Parashat Emor, p.100b] Neste ponto, Jacob parte para construir a sua Sucá (cabana), a sua morada temporária.
Se o confronto entre Jacob e Esaú tiver lugar no dia do Yom Kippur, então, por extensão, o confronto com o seu oponente anónimo ocorre na noite anterior – noite de Kol Nidre, a Véspera de Yom Kippur. Toda aquela noite, Jacob lutou com o Esaú dentro dele: Ele ainda era Jacob ou ele tornara-se Esaú? Se as suas posses e a sua preocupação em adquirir estas posses o mudassem? Ao tomar a bênção de Esaú, ele tinha realmente tomado a personalidade de Esaú? À luz do dia, o tempo em que o Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) teria começado o serviço no Beit Hamikdash (Templo Sagrado), a luta deve ser resolvida.
O Zohar elabora:
E eles lutaram: A identidade do anjo era o Guardião de Esaú. E quem é ele? Samma'el. E é apropriado que o pó dos seus pés subisse ao Trono Divino, pois este é o lugar do juízo. [Zohar Bereshit 170a]
O Zohar entende que o juízo encheu o ar naquela noite. O Anjo de Esaú poderia atestar a inocência de Jacob como faria para as gerações de judeus no futuro?
Ele [Jacob] disse: “Não te soltarei se não me abençoares”. [Bereshit/Génesis 32:27]
Jacob quer a bênção. No final ele recebe.
Esta secção termina com Jacob a nomear o lugar Peniel, pois a auto-análise profunda de Jacob e a sua luta interior o levam “cara a cara” com Deus. Aprendemos assim que o arrependimento real, que resulta de uma profunda introspecção, leva a um encontro com Deus.
O Rabino Levi disse: “Grande é o arrependimento, pois alcança o Trono da Glória, como se diz: ‘Volta, ó Israel, ao Senhor teu Deus’.” [Yoma 86a]
Isto é o que Jacob sente quando despede-se pela manhã:
O sol levantou-se quando ele deixou Penuel. E estava mancando por causa da sua coxa. [Génesis 32:32]
Jacob afasta-se deste confronto, fisicamente mais fraco, mas espiritualmente transformado e fortalecido. Agora ele sabe como responder aos desafios que o aguardam neste mundo quanto do outro. A sua identidade não mais seria definida ou determinada pelo seu relacionamento com o seu irmão Esaú. Ele agora tornou-se Israel. O físico e o espiritual já não estão em desacordo. Juntos, eles acompanham Jacob/Israel com cada passo que ele toma enquanto ele move-se em direção ao seu destino, embora num ritmo mais lento fisicamente, mas espiritualmente revigorado.
Outras leituras: http://www.morasha.com.br/profetas-e-sabios/quando-jacob-se-tornou-israel.html
https://cdn.fbsbx.com/v/t59.2708-21/308544803_1311442942931817_7177791788625901554_n.pdf/9912-35725-3-PB_220924_221436.pdf?_nc_cat=110&ccb=1-7&_nc_sid=0cab14&_nc_ohc=RGmW3iAGCoQAX-24K2e&_nc_ht=cdn.fbsbx.com&oh=03_AVJmv-gLymNLErBRB5oyWlYKB0PEiJKna4-CFACHvyz8vg&oe=63311C63&dl=1
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